O avião da companhia TAM pousa às 18:07h de quinta-feira, dia 25 de novembro de 2010, exato um mês antes do Natal e um dia após o aniversário do meu saudoso pai.
No meu tocador de mp3 ouço a seqüência de Ave Maria da Rua e Canto para Minha Morte de Raul Seixas enquanto leio a ultima frase do livro de Nelson Motta sobre a vida, obra e causos de Tim Maia, dizendo que “No domingo, 15 de março de 1998, às 13:03h, o coração do gordinho mais simpático da Tijuca parou de bater.”
Não sei, de verdade, o que esperar ao desembarcar no aeroporto Santos Dumont. Não tenho idéia, depois de quatro dias na capital paulista, do que me espera na cidade onde nasci e cresci, e que nos últimos dias, acompanhei pelos noticiários, contato com amigos e notícias paralelas do “feeeeeice”, o caos instaurado com a ação do crime (dês)organizado, sem precedentes na história da vida civil carioca.
De concreto, neste momento (ontem à tarde), uma espera de 20 minutos por um taxi que se propusesse a me levar até minha casa, no Catete, zona sul do Rio, a 10 minutos do aeroporto. Três taxistas se recusaram em fazer a corrida, por conta de uma blitz na Pedro Américo, minha rua.
Além disso, o cancelamento de uma reunião de trabalho, por receio da equipe em perambular pelas ruas do Rio após o anoitecer. Tal e qual num “filme b” de terror, com zumbis e monstros sanguinários e incendiários a procura de sangue fresco e chamas de destruição.
Fico imaginando Rodrigo Miranda e Sebastião Maia, respectivamente meu pai e Tim Maia, cariocas da gema de épocas em que o Rio era um Rio tão diferente, vendo (espero que de cima) tudo isso. Cariocas de épocas em que o Rio era tão lúdico e lindo. Tão Rio! O Rio de longe, que vemos ao chegar à cidade pelos céus, quando inevitavelmente nos vem à cabeça o “Samba do Avião” de Tom.
Como chegamos nesse ponto? De quem é a culpa? O que fazer a partir de agora?
Seja como for (ou seja, claro que não tenho as respostas acima), “teorias” esdrúxulas e “protestos” grosseiros e sem nenhum embasamento pipocam na nossa mesinha de bar virtual (o feeeeeice) e começam e me preocupar tanto quanto a própria ação da bandidagem.
Sim! Me preocupam! Porque desde os embates políticos da última eleição presidencial, tenho olhado ressabiado, com certa desconfiança essa tal liberdade adquirida através das mídias sociais virtuais que colocam lado a lado e em total condição de igualdade (pelo menos em termos de divulgação de suas idéias), um professor de sociologia e um idiota qualquer que acha que sabe do que está falando (como eu).
Comentários reacionários, taxativos, e passionais onde questões profundas da sociedade são vomitados de forma simplória e minimalista, e abarrotam nossos murais na internet gerando polêmicas (muitas desnecessárias), brigas, discussões, raiva, ódio. Apenas por serem idéias divergentes. Tudo que não precisamos num momento desses. Um racha absurdo que em nada ajuda a sociedade e em nada resolve a situação.
Da manjada revolta colocando a culpa nos maconheiros, passando por “isso é coisa da Rede Globo” (ainda bem que não colocaram a Nike no meio. Já basta a Copa de 98) para minimizar uma situação grave e real, até o racha entre zona norte e zona sul, como se não fizéssemos, todos, parte da mesma cidade, apoio a chacina de bandidos e controle arbitrário de natalidade. Tudo vomitado. Tudo dito sem pensar. Seja pelo (completamente compreensível) estado de nervos em que a população se encontra (eu mesmo, ontem a noite, após um tiroteio de quase uma hora na porta da minha casa me utilizei da mais venenosa ironia pra “protestar” no meu mural do Facebook de forma completamente atabalhoada), seja por ignorância. E não é a ignorância da impossibilidade de acesso a informação. Mas a ignorância de optar por não ter acesso a essa informação, hoje um mal que assola grade parte dos jovens de classe média. Seja como for, não é hora disso.
A hora é de assumir a própria culpa. Os próprios erros. Olhar pro próprio rabo e não pro próprio umbigo. Pensar o que cada um de nós está fazendo de errado e como mudar isso.
Seja quem fuma um baseado ou consome uma carreira. Seja quem suborna um policial por que está sem documentos ou está dirigindo bêbado. Seja quem sonega um imposto. Quem votou de forma inconsciente e inconseqüente na ultima eleição. Seja quem não está dando a devida atenção na educação de seus pequenos filhos que futuramente serão os cidadãos que decidirão o seu e o nosso futuro. E fica a questão: será que toda vez que eu olhei com indiferença, desprezo, nojo, sem igualdade de condições, para alguém menos favorecido financeiramente, para alguém com dificuldades e realidade diferente da minha, de certa forma eu também não estava ajudando a alimentar o tráfico de drogas??? Ajudando a formar um sentimento de “querer se afirmar”, de “querer o que é do outro”, de revolta e revanche (legitimas) por parte desses jovens? Por que só quem pode ter sentimentos e quereres é a classe média? A classe média tem analista, remédio, dinheiro pra “ter”. E o sujeito pobre e fodido que tem também o direito de “querer”? Não tem o direito de roubar, mas tem o dever de enfiar esse “querer” no cu e nos entubar olhando pra ele com indiferença, desconfiança e superioridade. No máximo, com pena. Ah! Faça me o favor!
Não minimizemos essas questões. Todas são enormes e importantes.
Apenas citando um exemplo de como o buraco é bem mais embaixo, ontem entre diversas cenas chocantes na TV, me chamou a atenção uma cena já antiga e bem batida, mas que ontem percebi de outra forma: os dois momentos de Elias Maluco. O primeiro quando é preso pela polícia, no morro. Acuado, assustado, espancado, atordoado. E o segundo, quando o traficante aparece entrando num tribunal, tempos depois, pra ser julgado. Frio, tranqüilo, com um ar de quase deboche, dando a total certeza ao cidadão que acompanha aquilo que ele, mesmo preso, está por cima da carne seca. Continua dando as cartas e que aquilo é um grande teatrinho. Isso não é uma cena de complexidade máxima? Uma cena que deflagra a total fragilidade do nosso sistema de leis, de comando. De como estão completamente confusos e trocados os papéis de coordenação da sociedade?
O medo está dominando e aparentemente vencendo. Mas não podemos deixar que o pânico e o caos se instaurem nas nossas vidas. A hora é de acreditar e confiar nos órgãos públicos (que por total falta de opção, estão sendo obrigados a agir e reagir a tudo isso, ao contrário do que foi feito ao longo de décadas) e manter a calma, a cabeça fria. Agir com estratégia, em grego strateegia, em latim strategi, em francês stratégie... como diria Nascimento, nosso primeiro super herói nacional no novo milênio. Arregaçar as mangas e mudar. Lutar por leis coerentes e que não privilegiem essa máfia que ganha milhões à custa da desgraça alheia. Lutar por políticos confiáveis e bem intencionados, por educação para os menos favorecidos e reeducação para os ignorantes da classe média. Esses bandidos, antes de serem traficantes, são criminosos. Eles não estão ali apenas pelo tráfico de drogas. Como fica claro no filme (e livro) Cidade de Deus, o tráfico foi apenas um meio mais fácil e menos ariscado (comparado com outras formas de delitos) que encontraram pra ganhar dinheiro. E antes de serem criminosos, são pessoas que poderiam sim estar desenvolvendo outras atividades se alguma oportunidade lhes fosse oferecida.
Não adianta saber de quem é a culpa se você não está apto a, sequer, reconhecer a sua parte.
É hora de deixarmos um pouco de sermos os donos da verdade. Todo mundo tá querendo ser o dono da verdade nos seus feeeices. Tá na hora de aceitar a verdade e alterá-la. Urgente.
Cariocas do meu Brasil. Uni-vos.
José Padilha falou. José Padilha avisou.
= ) Se de algo serviu essa noite reclusa e preso em minha própria casa, foi para acompanhar a nova a programação de quinta-feira da Rede Globo. Em específico, duas novas mini-séries: “Clandestinos” e “Afinal, o que querem as mulheres?”.
Nota do editor: é uma pena a Rede Globo estar apostando em bons programas numa parte de sua nova programação, voltados para um publico pensante e qualitativamente melhor, e esse público quando perguntado se assistiu a algum desses programas responde “eu não vejo televisão”. Alguma coisa errada está acontecendo com a comunicação e divulgação desses programas pela Vênus Platinada. Meus amigos, dos quais tenho certeza absoluta de que gostariam de “Afinal...”, “Tudo junto e misturado”, “A Cura” entre alguns outros, sequer sabem que esses programas existem. Alô Rede Globo! Abre o olho!!!
Da primeira, havia assistido apenas a alguns trechos nas semanas anteriores. A segunda, vejo religiosamente toda segunda-feira no Youtube.
A primeira, infelizmente ficou no meio do caminho. Mesmo com as grife João Falcão, que admiro e considero, e Guel Arraes nos créditos, o programa não emplaca. Ele deixa apenas uma leve impressão de que a peça que deu origem ao programa pode ser interessante.
O ritmo de narração se propõe a ser dinâmico, mas não consegue. Algumas atuações são interessantes. Outras, como a de um dos fios condutores da história, o diretor teatral Fábio (interpretado por Fábio Enriquez Bastos) é rasa e estereotipada. Ruim mesmo.
Clandestinos soa como uma espécie de “Malhação do Teatro”. É como se a novelinha vespertina fosse ambientada nas salas da CAL, ao invés dos fictícios colégios onde se passaram as (horrendas) tramas da série.
Mas tudo isso poderia ser contornado, não fosse o maior, na minha opinião, problema de Clandestinos: a série é piegas. E pra isso, não há cura. Piegas é quando algo tentar ser emocionante, sentimental, e erra na mão, tornando-se “vergonha alheia”, pra trocar em miúdos. Quando sobe o BG instrumental cheio de cordas e os olhares ficam mareados na tela, e você ao invés de chorar junto pensa “puta que o pariu! Que merda isso, heim... batiiiiiiiido...” ou algo do tipo.
E isso acontece constantemente em Clandestinos. Talvez por ser “teatral” demais para a TV. Talvez. Os atores se posicionam, falam, articulam e impostam suas vozes e suas expressões de forma teatral demais para um programa de TV. Ao longo dessa vida de bicão televisivo e teatral, eu descobri que sim (muito devo ao meu último relacionamento de anos com uma excelente atriz), existe uma diferença abissal entre a forma de atuar no teatro e na TV, não sendo necessariamente, nenhuma melhor ou mais nobre que a outra. Existem boas e ruins atuações em ambos os âmbitos. Apenas isso.
O fato é (Zé me desculpe... eu tentei gostar): Clandestinos não monta na lambreta. Mas valeu a tentativa.

Ousado. Ousado e sedutor.
Atuações excelentes, excitantes. Um programa totalmente fora dos padrões, com uma identidade, um carisma e uma competência técnica que o fazem já figurar entre os melhores da história da TV brasileira. Esse menino Michel Melamed não é fácil não. Não vou falar muito mais, se não vai parecer que fui eu o criador da comunidade “Eu daria pro Michel Melamed”. Se bem que...
Curti. E recomendo.
Sorte pra todos nós. Vai melhorar. Tudo, tudo, tudo vai dar pé.
Bjs
Ouvindo: tiros.