quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A fila

Que as filas são cenários perfeitos para situações inusitadas e cômicas, beirando a desgraça e o desespero, ninguém tem a menor dúvida.
Porém, na manhã e tarde do último dia primeiro de dezembro, minha estadia na fila para comprar ingressos do jogo final do campeonato brasileiro de futebol de 2010, entre Fluminense e Guarani, extrapolou todos os limites do cômico, tornando-se, se não trágico, pelo menos desgraçado e desesperador.
Pela primeira vez na história, em virtude do fechamento prematuro (completamente filhodaputa, escroto, babaca, feio, bobo e mau #prontofalei) do Maracanã por causa das obras para a Copa do Mundo de 2014, todos os jogos até 2012 de médio e grande porte no Rio de Janeiro serão disputados no (simpático) Estádio Olímpico João Avelange, o famigerado Engenhão. Não fosse o fato de lá caber menos da metade da capacidade de público do Maracanã, o acesso ruim e a localização (não do bairro, antes que a galera da zona norte queira minha carne pro “surrasquim” de domingo, mas do entorno do estádio, sem nenhuma área de escape e fuga no caso de uma briga entre torcidas, por exemplo) pior ainda, não seriam problemas tão significativos.
Pois bem. Ao ver dois dias antes do inicio das vendas dos ingressos, pessoas acampando na fila na porta da bilheteria do estádio do Flu, na Rua Pinheiro Machado, pensei: FODEO.
E FODEO mesmo.
Já estava praticamente demovido da idéia (infame) de encarar a fila (tarefa que no fim das contas, tinha 85,7% de certeza que seria inglória). Pensei em dar um pulo na bilheteria às 9h da manhã (horário em que abriria pra venda de ingressos) e se tivesse uma fila gigantesca, voltaria tranquilamente pra casa e teria perdido 20 minutos do meu dia.
Já imaginava em que bar repleto de gatinhas, agito, cerveja gelada, sambinha, ar condicionado, pegação desenfreada, cheiro de hidratante Victória Secrets de baunilha e pagamento da conta no cartão de crédito, eu iria assistir ao Flu sagrar-se campeão nacional de futebol no ano de 2010. BG? Salvação? Algum “Garota” da vida? Veloso (ok... ai já é demais! Nem sei se passa jogo no boteco mais querido da playboyzada do Leblon)? Plebeu? Fosse onde fosse, minha diversão limpa e higiênica, somada à emoção pela vitória e conquista do campeonato já me garantiriam o melhor domingo dos últimos 26 anos. Afinal, quem precisa ir ao estádio lotado, quente, com gente (mesmo sendo tricolores, uma outra espécie, um outro nível de torcida) suada e odores questionáveis? Visão ruim do campo! Confusão. Tumultuo. Policia sempre atrapalhando mais que ajudando. Não! Aquilo não era pra mim.
E não era mesmo.
Oito da manhã de quarta feira chego às Laranjeiras para render Maria Carolina Benevides, que por obra do destino, encontrei às 23h do dia anterior, sentada com sua fiel escudeira Aline Salcedo no Boteco Badalado, na esquina da minha rua no Catete, e depois de 15 cervejas me convenceu a revezar com ela na “fila do desespero”. Fui dormir 3h da manhã, cheio do “alpiste” na mente e com a certeza de que tinha entrado na maior roubada dos últimos tempos.
Carol chegou às 3h na fila, que já alcançava a Rua das Laranjeiras, via Soares Cabral (veja no Google maps o drama da família tricolor). Dormiu, acordou, sentou na cadeira de praia de um rapaz que teve que ir embora pra fazer prova no colégio, fez amigos, cultivou olheiras, assistiu ao dia nascer, quase foi filmada pelas lentes da rede Record enquanto cochilava... e finalmente,  oito da manhã foi rendida por mim. As recomendações pareciam simples:
- Toma o dinheiro do ingresso. Cada pessoa só pode comprar dois. Coloquei meu nome e o seu numa lista que será lida mais na frente quando começar a afunilar e só passa pro outro lado da fila quem tiver o nome na lista. Nosso numero é o 1447. Fica ligado nessa chamada e nesse número. Não vai ficar olhando pra mulherzinha que tá passando do outro lado da rua e perder a chamada! Entendeu?
- Sim, comandante!
- Ah! Eu usei a cadeira de um menino que saiu pra fazer prova o colégio! Quando ele chegar devolve a cadeira de praia pra ele. Vou pra casa, dormir duas horas, tomar um banho e ir pro trabalho. Boa sorte!
- Pra nós!
Pensei: “1447 vezes dois ingressos por pessoa, igual a 2894 ingressos. Mais uns 500 furões, vezes dois, igual a 3894... 4000 vá lá! Tá safo!!! Somos gênios da logística e estratégia na compra de ingressos em finais de campeonato, não somos???”.
Não somos mesmo.
A lista, assim como as cordinhas frágeis que tentavam organizar as filas, e os próprios organizadores das filas, eram bem falhas. E arquitetadas por torcedores que estavam ali há dois dias, cansados, exaustos, mas com uma boa intenção ímpar e louvável. Mas, como vocês sabem, de boas intenções o inferno está pavimentado. E não deu outra! Pela total falta de suporte do clube, de organização dos órgãos (in)competentes e envolvidos oficiais que deveriam ter a obrigação de estabelecer a ordem naquela fila e em toda a ação da venda de ingressos, aos poucos, as Laranjeiras foram se tornando um barril de pólvora, pronto para explodir a qualquer momento.
Às 9h, quando as (apenas três, das cinco existentes) bilheterias abriram-se, as pessoas tentavam espantar o cansaço brincando, conversando, tocado violão (um maluco beleza chamado Edu com um Giannini caindo aos pedaços e completamente desafinando cantou toda discografia de Raul e Legião. Quando eu cheguei,ele começava a de Barão e Cazuza), cantando. Muitas vieram de longe, muito longe e estavam ali há 8, 10, 12 horas, esperando a abertura da bilheteria! Garantia de ingresso não havia. Mas pela lógica, o fato de serem o numero até 1000, 2000 (eram os números dos bravos que haviam pernoitado na fila) da lista “organizada” pelos torcedores de bom coração, lhes garantiam, ao menos, uma esperança grande de ter o cobiçado e sonhado passaporte pra felicidade suprema no olimpo futebolístico no domingo dia 05/12/2010.

A primeira frase ouvida no meu “turno filístico” foi proferida por um sujeito simpático, gordinho e muito bem humorado, com camisa regata listrada e ar bem malandro:
- Norte, “Sú, Lerte, Oerte”... pra mim o que cair tá valendo! Eu quero é tá “drento” da festa, meu camarada!!!
Naquele momento, senti-me aconchegado. Senti que ali seriam formadas boas amizades.
E seriam mesmo.
De certa forma, um orgulho (por ser tricolor) e um carinho (sabe-se lá vindo de onde), foram surgindo entre os torcedores e figuras interessantíssimas foram aparecendo. Além do “maluco beleza”, faziam parte da sua trupe uma menina, produtora, chamada, se não me engano, Clara, que apesar de morar na rua do clube, ficou ali, na fila, por toda a noite. Um casal com um namorado paulista e são paulino que acompanhava sua namorada. Um coroa de Niterói que já havia sofrido uns três enfartes, acompanhado por seus dois filhos. O rapaz dono da cadeira de praia. Dois senhores aposentados que se diziam “fiscais da natureza”. Um timaço de figuraças. Todos se ajudando, se apoiando, se organizando. Tudo, absolutamente tudo que a VERGONHOSA DIREÇÃO DO CLUBE NÃO FEZ. Nessa hora eu penso: formar um time com estrelas, competitivo, vencedor, é, de certa forma, respeitar o torcedor que compra ingresso e mantém o clube (junto com o patrocinador, logicamente), não é? Porque diabos então, na hora derradeira, onde o respeito e o zelo pelo torcedor (o maior patrimônio do clube) deve realmente existir, isso não acontece?
E não aconteceu mesmo.
Do meio em diante (por volta de meio dia) da fila, os boatos de que os ingressos mais baratos (nota: nas partidas anteriores os ingressos variavam de R$20,00 a R$40,00. Dessa vez, iam de R$60,00 a R$150,00) haviam se esgotado foram se intensificando. Ninguém da organização dava um parecer correto. Começamos a nos revezar para ir ao inicio da fila e tentar entender o que estava acontecendo. Quem ia, voltava assustado. Atônito. Sem conseguir sequer iludir um pouco os companheiros para que não rolasse um colapso coletivo. Nos 100 primeiros metros da fila, um amontoado de pessoas sem nenhuma organização se digladiava pra chegar ao curral final da bilheteria. Pessoas furavam fila sem a menor cerimônia. Policiais militares, aos montes, assistiam a tudo como se não fosse com eles. Não havia seguranças do clube nem naquela área mais tensa. Ou seja: caos total!
O que era boato se confirmou: os ingressos de R$60,00 e R$80,00 se esgotaram e com isso, muitas pessoas que estavam há 8, 10, 12 horas na fila, foram obrigadas a desistir e ir embora por que simplesmente não tinham dinheiro pra comprar os ingressos mais caros. Meu coração tricolor partiu-se em mil pedaços ao ver o simpático coroa de nikiti e seus dois filhos irem embora, tristes, cabisbaixos. Bem como os senhores “fiscais da natureza”, a amiga produtora, o maluco beleza... quase toda a trupe. De toda forma, mesmo revoltados, decepcionados e tristes, todos, sem exceção, partiram com dignidade e civilidade. Sem confusão. Sem briga ou gritaria, provando que eram muito mais nobres que a aristocracia podre escondida atrás dos vitrais importados da sede do clube.
E eram mesmo.
A fila diminui drasticamente e podemos chegar próximo ao tumulto (e embate) final. Após ficar mais uma hora parado no mesmo lugar e de ver o bololô aumentar em progressão geométrica, fui tomado pelo espírito de William Wallace, perdi completamente a compostura e iniciei uma revolução, levando uma boa galera de “mulão” até o front. Chegamos, nos esprememos e ali ficamos. Quase duas horas parados, há mais ou menos uns 30 metros do destino final, sem poder se mexer, respirando miseravelmente e sentindo uma catinga sem precedentes. Tudo que eu ainda conseguia resmungar era “vocês tem sorte (apontando pra bilheteria)!!! Se fosse o Flamengo na final, tava todo mundo queimado aqui! Eles iam “passar” geral!!! Quebrar tudo!!! Seus cagões de merda!!!”. E coisas do tipo.
Por volta das 16h (uma antes do horário previsto para o fechamento da bilheteria) e com uma multidão enorme ainda na fila, a espera de um milagre, a guarda municipal resolver se mexer e tentar organizar; algo que deveria ter sido feito há pelo menos umas 8 horas.
Depois de mais uma hora e quarenta e cinco minutos de espera na mesma posição, depois de ficar imprensado entre um negão na frente e um gorducho (ambos bem simpáticos, ao menos) atrás (se eu tivesse alguma mínima tendência homossexual, acredito que ela teria se manifestado naquele momento. Juro!), depois de suar como um porco indo pro abate, deixei meus (literalmente) suados R$150,00 nas mãos de uma simpaticíssima e competentíssima, além de muito ágil e com enorme boa vontade (#ironiaMode:on) atendente (detalhe: ela estava sentada e com um ar condicionado ligado que sentia-se do lado de fora da cabine) e sai com meu troféu nas mãos: um ingresso pro setor oeste inferior.
A bilheteria não fechou às 17h, e os ingressos mais caros continuaram a ser vendidos ate o fim do dia, como uma espécie de mea culpa da (des)organização.
Vergonha, revolta, tristeza. Sendo ou não campeões no próximo domingo, nós, torcedores do Fluminense (ou os torcedores de algum outro clube que pudesse estar na mesma situação), não merecíamos passar por uma situação ultrajante como essas, totalmente contrária à campanha vencedora e honrada que o time demonstrou ao longo de todo o campeonato, dentro de campo.
Não merecíamos mesmo.
QUE FIQUE CLARO: A REVOLTA NÃO E POR CONTA DOS (APENAS) 31MIL INGRESSOS POSTOS A VENDA. ISSO NÓS SABIAMOS QUE SERIA COMPLICADO MESMO. MAS SIM, COM A DESORGANIZAÇÃO TOTAL E TOTAL FALTA DE RESPEITO AO TORCEDOR, QUE DEVERIA SER, O VERDADEIRO DONO DESSA FESTA.
Sorte pra nós. Todos.
Ouvindo: Sheryl Crow (Best of)

9 comentários:

  1. Depois desta suada, em alguns momentos engraçada, mas no geral triste história, desejo de todo o meu coração Flamenguista que você veja o Fluminense ser campeão! :)

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  2. Isso tudo foi realmente uma vergonha...

    Mas, em tempos de "analfabetismo digital", tive a constatação de que nós tricolores somos mesmo uma outra espécie. Não fazia idéia de que você soubesse escrever tão bem assim, rapaz!!!

    Parabéns!
    E que o nosso tricolor nos encha de orgulho...

    Beijos.

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  3. silvia!!!! muito obrigado!
    brincadeiras a parte, gente mal educada e pessoas integras e especiais, encontramos em qualquer torcida. tenho amigos maravilhosos vascaínos, botafoguenses, falmenguistas... e tem muito tricolor ignorante tb!
    mas claro, em proporção bem menor.
    ;)
    bjs e continue conectada.

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  4. Silvia Caldas - Tricolor!3 de dezembro de 2010 às 05:19

    Claro!!!
    Eu mesma namoro com uma vascaíno, mas ninguém é perfeito! rsrsrs

    Beijos, querido!

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  5. Vai valer a pena todo seu esforço e sacrifício, pois vc verá nosso FLUZÃO campeão.
    Sou tia da Sílvia, que te escreveu mais acima e tricolor, e tbm gosto muito de pessoas que procuram se expressar com capricho na internet, procurando escrever o nosso português certinho, na medida do possível, é claro.
    BOA SORTE e curta bem este jogo no Domingo. Embora eu more bem perto do Engenhão, por motivos óbvios, vc sabe bem quais, não vou poder estar lá.
    Um Abraço tricolor e fica com DEUS !
    Marli Rocha

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  6. "na medida do possível, é claro." hahahahahah
    falou tudo malu!!!!
    normas e regras nunca foram meu forte. mas hj, com as ajudas tecnológicas que temos, é só ter um pouco de paciência que não é tão difícil escrever de forma correta. na medida do possível, claro.
    ;)
    bjs e avante flu!

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  7. E pensar que tudo começou com um encontro ao acaso no Badalado... Rs. Carol já é sua melhor amiga depois dessa, admita!!!
    Agora, falando sério, eu fico só imaginando na Copa em 2014... ingresso a 500 reais, e só pra quem for da máfia... vai ser lindo.

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