segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O compositor



Há exatos cinco anos, na madrugada do dia 13 de dezembro de 2005, o jovem e talentoso músico Liô Mariz, cantor e compositor da banda Som da Rua, falecia num trágico e fatal acidente de carro no cruzamento das ruas Joana Angélica e Visconde de Pirajá, Ipanema (Zona Sul do Rio de Janeiro).

Hoje, cinco anos após a morte de Liô, abro mão da condição de amigo (ele era um dos meus melhores amigos em quase 11 anos de convivência), sócio (fundamos juntos o Som da Rua) e testemunha ocular da tragédia (eu estava sentado no banco do carona do carro no momento da batida) para como fã e amante da boa música render uma homenagem um pouco diferente ao COMPOSITOR carioca Leonardo Mariz de Oliveira Rezende fazendo aos amigos e leitores desse blog um apelo: NÃO DEIXEMOS QUE O LEGADO ARTÍSTICO/MUSICAL DE LIÔ MARIZ SE PERCA. NÃO DEIXEMOS QUE CAIA NO ESQUECIMENTO ESSA OBRA (QUANTITATIVAMENTE PEQUENA, PORÉM DE QUALIDADE INFINITA) DE POUCAS, MAS EXCELENTES CANÇÕES, CONSTRUIDAS AO LONGO DE APENAS SETE ANOS DE CARREIRA, VIREM APENAS MEGABYTES DEIXADOS DE LADO EM ALGUMA PÁGINA DA GRANDE REDE MUNIDAL DE COMPOSITORES.

Aclamado por diversos músicos consagrados (o mais significativo selo de qualidade das composições de Liô foi ter no seu hall de fãs confessos, o seu maior ídolo nacional: Lulu Santos, que um pouco após a morte do garoto, dedicou inteiramente a ele, num show no Canecão, toda a turnê do disco Pop Star) e influenciando desde músicos contemporâneos a ele a jovens que viriam a conhecer seu trabalho após sua morte, Liô tinha uma característica rara nos dias de hoje: era um compositor completo. Quando digo “completo”, me refiro ao fato de ele ter sido, além de um excelente melodista (tendo também um bom domínio dos caminhos harmônicos da canção pop), um letrista (apesar de ter apenas 23 anos quando faleceu, e de ter composto suas principais canções entre os 19 e os 23) excepcional, de rara identidade e poética, com cuidados técnicos como já não se vê hoje na música pop, além de uma maturidade impressionante pra alguém tão novo.

Obviamente não foi sempre assim. Se examinarmos a obra de Liô Mariz com cuidado e critério, vamos descobrir e entender que quando o Som da Rua iniciou seus trabalhos, em 1998, Liô era um compositor mediano. Mas, pelas suas idéias e pouquíssima idade, eu já identificava nele um potencial absurdo. Nessa época, ouvíamos o que tocava nas rádios, e queríamos apenas montar uma banda com o objetivo de, justamente um dia, ter uma música nossa tocada numa rádio! As influências eram Skank, Jota Quest, Paralamas, e um pouco depois, O Rappa. Queríamos fazer uma mistura de musica pop internacional (reggae, rock, Black music) com ritmos, levadas e influência da música brasileira (daí o nome Som da Rua, que depois acabou ficando um tanto quanto inadequado). Dessa época, temos composições bem juvenis, que não tiveram registro em CD como “Não dá”, “Quando a noite chegar” e “Pode ser”.

O disco de estréia da banda Maskavo Roots pelo selo dos Titãs (Banguela Music), comprado por mim na Gramophone do Centro pela bagatela de R$3,99 e emprestado (ad eternum) pro Bolota, foi um dos grande responsáveis pela mudança de fase. A banda candanga (que posteriormente excluiu o Roots do nome e virou apenas uma banda de pop reggae), fazia uma mistura muito boa do reggae com rock n´ roll e influenciou diretamente as composições de “A Ladeira”, “A Nova” e “Perto do Mar”. Lenny Kravits e sua junção incrível de funk, soul e (como sempre) rock n´roll também estavam cada vez mais freqüentes no cd player do rapaz completava então a maioridade.

Numa tarde de algum fim de semana de 2000 cheguei a sua casa na Travessa Visconde de Moraes em Botafogo (onde passávamos todas as tardes de sábado e domingo enfurnados no quartinho de trás, tocando nossas canções na altura máxima) com o disco Maquinarama do Skank (autografado pelo próprio Samuel Rosa) em mãos. Imediatamente fui mostrar para o meu amigo o quanto aquela banda que curtíamos pelo som pop que fundia reggae e dancehall com ritmos nacionais havia amadurecido e ganho o veneno do rock (e até um certo psicodelismo) com aquela emblemática (pra eles e pra nós) bolachinha. A partir daí surgiu “Te dar mais uma chance”, a primeira música de Liô e do Som da Rua com uma levada e pegada nos moldes clássicos do rock.
Depois de uma demo (99) e um disco independente (2002) bastante irregulares artisticamente, sentia que o melhor, que algo realmente grande, ainda estaria por vir. Liô mergulhava cada vez mais e mais fundo num trabalho de pesquisa e estudo da obra dos Beatles. Ouvia cada vez mais rock contemporâneo (Foo Fighters, Queens of The Stone Age, Oasis, etc) e rocks clássicos (Led Zeppelin, The Who) e entendia o mecanismo de composição dos FAB four e dos que se influenciaram diretamente pelo quarteto de Liverpool. Liô amadurecia internamente como compositor e como pessoa, e estava prestes a explodir.

Clower Curtis, assumiu as guitarras da banda após a saída do Marcelo, irmão de Liô e um dos meus melhores amigos desde a época de colégio. Era o ano de 2002 e tínhamos uma temporada de shows no Hard Rock Café em andamento. Clower era experiente (vinha da badalada banda O Berro) como músico e produtor, além de um cara gente fino ao extremo. Nossos problemas estavam resolvidos! Mas Clower simplesmente não quis ficar na banda por que considerava não só as músicas bobas, como tinha certeza absoluta que podíamos fazer algo bem melhor. Aquilo nos abalou demais. Principalmente ao Liô. E nos instigou a vir com algo diferente. Tempos depois, Clower seria o produtor da Demo 2003, o disco que marcou a melhor fase da carreira da banda.

Numa viagem para i sitio de Liô, algumas semanas após a saída de Clower e da já incorporação de Diogo Salles (amigo de longas datas que já havia sido nosso roadie, e que estudava guitarra justamente com Marcelo) à banda, o “moleque” mostrou, numa noite, após algumas cervejas, pela primeira vez pra gente “Só uma canção” e “Ninguém aqui”. Os instrumentos estavam lá com a gente e lembro-me de, na mesma hora, todos nós nos empolgarmos à ponte de ir imediatamente tocar as novas canções até que um esboço das mesmas fossem concluídos. 
A partir daí vieram “Tudo em seu lugar”, “O Avesso”, “Tão Suspeitos” (inicialmente composta pra ser mostrada pro amigo Toni Platão, mas que malandramente convenci Liô de que ele poderia mostrar, contanto que nós gravássemos ela antes), e um sem números de músicas que não chegamos a gravar. Liô havia se tornado uma máquina de compor. Ele compunha todos os dias. Uma ou mais musicas por dia. Lembro com carinho especial de “Boas Novas” (a música que ele me deu de presente de aniversário) onde mostrou todo seu poder de observação e sintetizou em poucos versos, suas observações acerca de quase 10 anos de amizade:
Não se prende por ninguém
E não assume a condição
É mais forte do que quem
Diz saber o certo em vão
Carinho especial também não falta a outras duas composições do disco “Musicas para violão e guitarra” (2005), que marcou nossa estréia dentro de uma grande gravadora (Deck Disc).
Uma delas é “Quando Tudo Acaba”, a última música a entrar no disco e que se tornou não só uma das preferidas dos fãs da banda, mas uma unanimidade entre os cinco integrantes do Som da Rua.  Versos como os de abertura da primeira (Faço juras de amor pra quem vem / E vendo meus sonhos pra quem quiser / Dias como os meus) e segunda partes da letra (Escrevo cartas de amor pra ninguém / Em formas estranhas de se contar /Sobre o meu lugar) trazem uma gostosa e suave melancolia e produzem imagens instantâneas na nossa mente, efeitos que só as grandes composições dos grandes mestres e arquitetos da canção conseguem.
A outra é “Tanto Faz”, a única parceira minha e dele do disco de 2005. Parceria no papel! Por que na verdade, Liô me deu a música pronta! Eu apenas coloquei meia dúzia de palavra, mudei alguns tempos verbais, enfim... dei uma corrigida de leve pra que a música, que já era excelente, ficasse mais fechadinha. E só mesmo. Liô não gostava da música por que a gente não conseguia fazer um arranjo a altura e queria inclusive que a música não entrasse no disco.
Mas batemos o pé!!! A música era uma das preferidas da banda. A história era boa: um casal que passa por constantes momentos turbulentos, onde uma das partes é totalmente subjugada à outra. Apesar de toda aquela paranóia, eles não conseguem se separar e preferem viver num inferno. O jeito é a parte servil, após um grito de libertação no refrão (Não vou mais, me prender ao que ao foi capaz / De encontrar / E agora pra mim tanto faz / Se ainda estás aqui), soltar as amarras e passar a ser a parte dominante, invertendo toda a imposição ao outro lado do relacionamento. A segunda parte da música é exatamente igual à primeira, só mudando algumas poucas palavras pra deflagrar que agora é o outro quem esta no poder.
Considero essa, tecnicamente, uma composição perfeita. Muito madura e inteligente, ainda mais pra um rapaz de apenas 23 anos.

Mas Liô Mariz era assim: maduro e inteligente. E é um ledo engano achar que ele tinha apenas 23 anos. Ele tinha 467. Esperto como só, o sábio ancião apenas se vestia desse invólucro carnal jovem para nos ludibriar e, de certa forma, ser aceito por seus amigos e pela sociedade a sua volta. Mas Liô não era daqui. E aqui não poderia permanecer.

Hoje, quando a saudade aperta, dou graças aos céus por ter essa obra a minha disposição, e coloco qualquer disquinho do Som da Rua na minha vitrolinha virtual. É como se ele estivesse aqui, do meu lado. E mentalmente, posso junto dele fazer o que mais gostava: bater um bom, delicioso e despretensioso papo, como se estivéssemos na varanda da casa 256 da Travessa Visconde de Moraes, numa tarde de verão na década passada.

Alguns artistas em atividade descobriram o trabalho de composição do Liô e tem regravado sua obra, como Lia Sabugosa (Olhe no Céu, canção que não chegou a ter um registro oficial do SDR, mas que gravamos numa sessão de ensaios), Voltz, boa e pesada banda de rock de São José dos Campos (Quando tudo acaba) e o amigo Daniel Massa no seu novo trabalho (o mesmo quando Tudo Acaba). Que eu saiba, é só. Imagino que diversos outros novos e já consagrados artistas poderiam fazer misérias com uma canção do potencial das de Liô Marix.

De Marcelo Camelo cantando (com os Hermanos) “Ninguém Aqui”, passando por Jota Quest interpretando qualquer uma do disco do Orelhudo, Frejat emprestando sua voz poderosa a “Te dar mais uma chance”, até Cheiro de Amor ou Jamil cantando “Perto do Mar” e Rick Vallen “sofrendo” ao entoar só no piano e voz “O que se chama”, um mundo de possibilidades estaria aberto para a música pop e popular brasileira poder usar e abusar dessas pérolas (quase) escondidas.

Enquanto o dia do despertar não chega, como fã (talvez um dos mais ardorosos) do trabalho desse incrível e primoroso compositor, e da boa música em geral, peço a vocês que ouçam com atenção e carinho os links abaixo. Que prestem atenção nas letras. Que entendam os caminhos que foram percorridos até chegar ao resultado final. Ouçam essas canções como verdadeiramente deveríamos ainda hoje (mesmo apesar de toda massificação e produção em série da arte) ouvirmos. Com calma, com coração. Ouçam com o coração. E se possível, repassem essas belas canções a quem vocês amam. Certamente pra todas elas, essas músicas vão fazer algum sentido. Assim, Liô Mariz estará sempre, e para todo sempre, vivo. Produzindo, compondo, cantando e alegrando a todos, que era o que ele magistralmente sabia, como ninguém, fazer.

LINKS:





http://www.fotolog.com.br/SOMDARUA

P.S.: Bolota, manda um beijo pro meu pai, minha irmã e pro Netto! Bjunda.
Ouvindo: Som da Rua (2002 – o orelhudo)

11 comentários:

  1. É JohnJohn, fico feliz de ter apreciado muito de perto todo esse talento musical. De lembrar como se fosse ontem dos trejeitos e da voz incrível desse cara e, principalmente, de ter testemunhado tantos shows incríveis de vocês.

    Guardo, mostro e falo com o maior orgulho de vocês sabendo que foi das melhores coisas que já ouvi. Realmente, o Liô merece ser muito aclamado ainda!

    Beijo.

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  2. é isso aí !
    Obras são para ser mostradas. Existem muitas bandas e artistas com a competência de fazer isso com essas músicas !
    É o mínimo que podemos fazer, ajudar a mostrar para quem possa regravá-las.
    abçs

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  3. Tudo o que é bom dura pra sempre...
    Foi o que pensei hoje ao acordar já ouvindo o orelhudo!
    Obrigada por esse presente, João!
    Muito bom ler o que você escreveu e sentir que todas estas e aquelas coisas permanecem vivas... simplesmente!
    Beijo grande,
    Tuca!

    [ouvindo a demo 99... e por que não?! rs]

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  4. Ele era mesmo talentoso. Compunha, cantava... Aliás a alma da banda. Tanto que, sem ele, tudo acabou. Só uma observação: por que vc não postou a foto do Liô e preferiu a sua?!!!

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  5. pois é, rapaz (ou moça... vai saber)... EU ME CONFUNDI!!! essa era uma foto da época em que eu tocava guitarra, cantava, era mais sensível, inteligente e talentoso. e fazia cover do liô. realmente não foi uma foto muito representativa.

    ;)

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  6. pois é... só que vc não é cantor, nem compositor, nem guitarrista. Aliás, só um baixista baixinho, saca? Mas com um ego....daqueles que costumam ficar à sombra dos talentosos de verdade! Tanto que a foto postada tinha que ser a sua, meu! Ai, não me cansa!

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  7. amo anônimos!!!!!!!!!
    assim como baratas.
    ;)

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  8. e só pra finalizar, e finalizar meeeeesmo, é triste vc ter tanta admiração assim por ele, e usar esse espaço não pra trocar uma idéia sadia a respeito da música do cara e sim pra tentar (inutilmente) destilar um veneno bobalhão que em nada me atinge. uma pena. mas a internet tem disso. e a partir do momento que dei minha cara a tapa fazendo um blog e optando por deixar publicações anônimas, estou sujeito a ler esse tipo de recado, no minimo mesquinho. já deixo, de antemão, em respeito ao liô e a quem vem aqui com o coração aberto, registrado que independente de qq bobagem que vc escrever, não será respondido. passe bem e procure se tratar. isso não é coisa de gente coma cabeça muito legal. querendo trocar uma idéia e me conhecer melhor, além dos 1,70m e das 4 cordas do baixo, estou as ordens por aqui ou pelo email.

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  9. vc aumentou 20 centímetros? Porque às vezes que vi vc nas paradas, me pareceu um pouquinho raquítico.Respeito muito o Liô. Tanto que sentia pena quando, durante alguma entrevista, vc se metia para falar primeiro. É sempre assim toda pessoa sem talento em algum grupo é a que mais quer aparecer! Vc tem talento? Por que nenhuma banda te chamou? Vc cismou que é artista, cara. Mas isto a gente não escolhe. O Liô era um poeta, músico e inspiradissimo! Vc era apenas a sombra! Tem esse blog pra criticar todos os artistas talentosos do país. Quem é vc? Vc se acha no direito de criticar a música de artistas consagrados, rotula todo mundo de gay. Eu acho que vc é quem precisa urgentemente de um analista pra desinchar esse ego sem noção. E cuidado, se está muito incomodado com os gays, é porque tem um pé de Aquiles! O que será?!!! E tenho dito!

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  10. Hoje, 04/12/2011, com nostalgia, comecei a percorrer coisas na Internet relacionadas ao Liô. Li e fiquei muito sensibilizado com suas palavras de amigo querido. Não conhecia esse post. Beijos no seu coração, pois agora vou apagar a luz e chorar baixinho de saudades e de orgulho por ter participado da vida de uma pessoa tão linda. Boa noite!

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